Grande Entrevista: Dr. Walter Chicharro, Presidente da Câmara Municipal da Nazaré


Um brilhozinho nos olhos por Nazaré podia ser o título desta conversa. Uma paixão imensa pelas suas gentes e pela terra que o viu crescer. O conhecimento profundo de quem arregaça as mangas e trabalha para que todas as etapas, desde o melhoramento interno da Vila e Freguesias, até à sua projecção Internacional,  proporcione mais receitas e melhores investimentos. 

 

Onde nasceu e cresceu? 

Sou um Nazareno nascido no sul de Angola, onde os meus pais estavam emigrados. Tenho 350 anos de antepassados da Nazaré e como se não bastasse Chicharro de apelido, nome típico da região. Posso dizer-lhe que o meu partido é a Nazaré ainda que a cor política seja a do PS. 

O que estudou?

Fiz a Escola Primária e Secundária na Nazaré. Licenciei-me em Gestão na Universidade Autónoma de Lisboa. Há 16 anos fiz uma Pós-Graduação em Comunicação e Marketing e terminei um MBA em Administração Autárquica há cerca de 1 ano e meio. Por força do cargo que exerço e porque a Nazaré é eminentemente turística penso fazer um Mestrado em Turismo, ideia esta ainda pouco sedimentada.

Quando e como despertou para a política?

A politica nunca foi um objectivo de vida. Já a intervenção social fez sempre parte durante os meus 20 anos na Indústria Farmacêutica. De modo discreto e moderado sempre promovi a minha terra, trazendo para cá pessoas que a não conheciam.

A política apareceu na sequência da actividade política da minha Mãe que foi durante muitos anos membro da Comissão Política Concelhia do Partido Socialista da Nazaré. Curiosamente quando a minha família regressou de Africa numa situação económica critica, todos viraram à direita e só nós nos mantivemos no PS e sempre ligados aos valores Socialistas. 

Na escolha para o candidato em 2005, estando a minha mãe gravemente doente, com um tumor cerebral, terá influenciado essa decisão, o que esteve no cerne da minha entrada para a política. Na altura fui convidado para ser número 2 da Assembleia Municipal. A minha cabeça de lista é convidada para secretariar o Presidente da Assembleia Municipal eleito e eu vi-me a dirigir a bancada do PS da Assembleia Municipal, sem experiência ou ligação partidária prévia. Foi então que “o bichinho da política entrou”, até porque é uma maneira de devolver algo à comunidade. 

Não pensava ser um político profissional, muito menos Presidente de Câmara. Fui ganhando experiência no trabalho Municipal. A primeira candidatura na Assembleia Municipal não ganhou mas tornou-se o embrião de um futuro projecto e da futura equipa Municipal.

Um ano mais tarde ganhámos a Assembleia Municipal, em 2008 e após campanha muito disputada em 2010 fui novamente candidato à Presidência da Comissão Politica e começa só aí a desenhar-se a candidatura à Câmara. Em 2012 nas Eleições Autárquicas ganho com maioria absoluta e torno a ganhar com maioria absoluta em 2017 batendo o record do Presidente de Câmara mais votado de sempre por 100 votos. 

Em que altura ocorre a Internacionalização da Nazaré e como? 

A marca da Nazaré é uma marca portuguesa com impacto na Europa desde os anos 50/ 60. Nomes de fotógrafos que ficaram na história como o de Henri Cartier Bresson, Bill Perlmutter e Stanley Kubrick  entre outros, levaram-na para fora de portas. A imagem criada da tragédia, da morte na praia, da mulher Nazarena de luto, foi uma construção do Estado Novo através da lente de Henri Cartier Bresson.

Nas duas décadas finais do século passado como a Nazaré perdeu essa representatividade do país em termos de marca turística foi sempre claro para mim que apesar das questões financeiras da Câmara, uma dívida que ascendia a 45 milhões de euros, que está a ser resolvida, era necessário uma estratégia que através de um fenómeno único , o Canhão da Nazaré e As Maiores Ondas do Planeta, se criassem com a comunicação apropriada,  os elementos fundamentais para caminharmos para a internacionalização e renovação da marca. 

Obviamente que isto é complexo, passa por uma requalificação urbana porque os locais e os que nos visitam podem e devem estar agradavelmente instalados no espaço publico, passa por uma política de comunicação muito agressiva e constante, passa por apoiar aqueles que nos solicitam ajuda do ponto de vista da comunicação em coisas tão simples como um surfista que precisa de uma fotografia ou de um vídeo e nós temos esse serviço, passa também por chegar ao mainstream da comunicação através das grandes plataformas sociais com uma política de atracção de eventos de cariz mundial que torna a Nazaré a Capital Portuguesa de Eventos de Mar e Praia: Nazaré Challenge  (WSL- World Surf League), Euro  Winners , European Soccer League entre outros, que nos puseram nos calendários mundiais de vários desportos. 

Se a Nazaré é hoje uma Vila Global posso dizer que muito se deve à minha acção  nestes anos. Não foi a Onda, nem foi “apanhar” a Onda, foi todo o trabalho para projectar a Nazaré no mundo. 

Para ter uma ideia, a CMN tem 5 Câmaras a filmar a onda todos os dias em que há ondas gigantes e a publicar esses filmes em todas as plataformas e APP e não é difícil termos 5 milhões de visualizações.

A paisagem maravilhosa, o traje típico e o Canhão e todo o trabalho de comunicação da CMN projectaram a Nazaré internacionalmente atraindo mais turistas. Tal tem sido um trampolim para o desenvolvimento da Nazaré? Como encaram a situação os habitantes?

Prefiro responder-lhe com números para lhe transmitir uma ideia mais correcta do impacto. Temos duas âncoras, por assim dizer: o Ascensor e o Forte de S. Miguel Arcanjo. 

O ascensor à data da minha chegada, 2013, transportou 630 000 passageiros e em 2017 esse número passou para 950 000. O ano de 2018 foi atípico com duas grandes paragens de ordem técnica mas ainda assim chegou a 928.000 passageiros. Segundo o IMT é o ascensor que nos últimos 4 anos transporta mais passageiros no país batendo o de Santa Justa e Guindais, em Lisboa e Porto, respectivamente.

No que diz respeito ao Farol da Nazaré: verão 2014: 40 000 visitantes; 2015 (decisão de o abrir o ano inteiro) : 80.000 visitantes; 2016: 121.000 visitantes; 2017: 174.000 visitantes e em 2018: 250.000 visitantes.

Outro dado interessante, a Marca “Praia Norte” que pertence à  C.M.N., viu a luz do dia em 2014 e passou de uma marca de venda de gifts para uma marca de roupa e produtos apropriados para a pratica de Surf de Ondas Grandes. Lançou a sua primeira colecção em Julho de 2018 e passou de 70.000 euros para 220.000 em 2018. 

Outra das provas deste sucesso é a seguinte: a Nazaré  tem hoje em dia o 23º metro quadrado mais caro do país e está nas 30 maiores cobradoras de IMT em Portugal.

Os habitantes reagiram muito bem, houve sectores como a restauração e a hotelaria que tiraram benefícios imediatos. Além disso todos os Nazarenos vivem com grande empolgação este momento. Vários jornais estrangeiros fizeram da Nazaré primeira capa estou a falar do The Guardian, New York Times, El Figaro etc. 

Começa a existir agora alguma necessidade de casas para os residentes habituais devido ao aumento dos alojamentos locais para turismo. Por outro lado muitas casas foram reabilitadas e melhoradas para este efeito, passando a fazer parte do orçamento familiar com aumento de riqueza. 

Apareceram muitos Hostels e alguns Hoteis, além do alojamento local, empresários internacionais e a hotelaria Internacional chegou à Nazaré. Neste momento há 4 a 5 projectos em avaliação, um na Pedralva na lógica dos Bungalows EcoResorts  com 35 quartos que finalizarão a requalificação do Parque da Pedralva. Saliento também a criação de um Pólo Empresarial- ALE (Área de Localização Empresarial) que trouxe mais empresas para a região. Tudo isto tem contribuído para diminuir  a sazonalidade da Vila, criando assim mais emprego e qualidade de vida.As empresas que lá estão sediadas já geram 300 postos de trabalho.

No seu segundo mandato com maioria absoluta pelo PS continua a defender o lema : “mais emprego, mais eficiência, mais credibilidade” ? 

A credibilidade teve e tem a ver com situação financeira que herdei. A Câmara passou de má pagadora com exponenciação de custos, com obras que não eram feitas porque os empreiteiros receavam não receber, a ser tida como cumpridora e boa pagadora. E isto muda tudo. Por exemplo a marginal foi orçamentada e concluída por menos valor do que o orçamento inicial. Só tem a ver com credibilidade. A estrutura de dívida à banca foi alterada. A CMN começou a estar presente em reuniões e congressos como um case study, para se falar do sucesso e de como se chegou lá. 

Os serviços tornaram-se mais eficientes com a descentralização e a passagem para outras Freguesias. Por exemplo os moradores de Fanhais passaram a poder pagar a água localmente não tendo de se deslocar à Nazaré. Os serviços de proximidade melhoram bastante o dia-a-dia dos habitantes. 

O esforço de diminuir a sazonalidade, o incremento de mais acções e o aumento do Turismo cria mais e melhor emprego durante o ano.

Quais são as áreas geográficas (freguesias) que mais o preocupam como Presidente? 

Todas me preocupam, cada uma tem características e necessidades próprias. Neste momento temos um Centro de Saúde a ser construído, um terminal de autocarros, um pavilhão desportivo e um Centro Escolar.

Sou presidente das 3 freguesias, Famalicão, Valado dos Frades e da Nazaré, não só da Nazaré e isso é muito importante para mim. Implica que um agricultor do Valado tem de ganhar quando a Nazaré está cheia de turistas. 

O que é gerado com o turismo na Nazaré permite que haja mais capacidade de investir nas outras freguesias para que todas sejam beneficiadas. 

O Município associou-se ao Dia Municipal para a Igualdade com a acção de rua “A uma mulher não se bate nem com uma flor”- de que maneira acredita que face ao panorama nacional estas acções possam resolver o problema? 

Podem sensibilizar, para resolver o problema serão necessárias outras medidas, algumas de foro legal como o agravamento da penalização do crime.

A Nazaré é uma sociedade de uma origem matriarcal em que a mulher sempre geriu a casa. Tal, pode não se reflectir tanto na actual geração mas foi sempre assim, a mulher foi muitas vezes mãe e pai e gestora da família.

Sou de opinião que devem ser dados passos mais fortes para impedir que este flagelo continue. Olhando para a minha vida, cresci e amadureci com a sorte de ter ao lado 3 mulheres fortes. Destaco a minha mãe, a minha mulher que tem sido mais do que um porto de abrigo e a minha filha que sai à avó com uma personalidade muito forte e impar. 

Como olha para a descredibilização política? 

O que conduz à descredibilização são os casos de corrupção. Penso no entanto que não podemos tomar o todo pela parte. Ouço muitas coisas, por exemplo, que ganho muito bem como Presidente da Câmara e no entanto ganho o mesmo que ganhava no sector privado. E não ganho para o risco, desta exposição e julgamento público. Veja o caso de Pedrogão… O Humberto Eco dizia a propósito das redes sociais que estas “deram voz aos ignorantes”. É fácil estar sentado em casa atrás de um teclado e escrever-se todo o tipo de injúrias. Tenho processos a decorrer na Justiça porque não permito que se divulguem inverdades.

Penso que será importante que a justiça aborde de outra maneira, mais célere e mais penalizadora a corrupção. Esta atitude de julgar que todos os dirigentes são corruptos só afasta as pessoas da política, pois muita gente que poderia dar um bom contributo à comunidade não está disposta a esta exposição e a este apedrejamento. É preciso estar-se muito convicto e determinado de que se pode contribuir para se abraçar uma carreira política.

Muito me apraz que o povo da Nazaré tenha dado uma resposta muito clara nas urnas  à campanha de difamação com cartas anónimas a expor a minha vida. Os votos falaram por si.

E qual a sua opinião sobre o aparecimento de mais partidos e movimentos de extrema direita? Há quem aponte tal como uma falência da esquerda … 

Se pensarmos numa falência da esquerda, nunca poderemos pensar que Portugal é um desses casos. É importante que se perceba que a identidade própria dum país é heterogénea. Portugal descobriu o Mundo e tem a influência de múltiplas culturas e origens. Esta diversidade e a nossa história contribuem certamente para sermos menos permeáveis a ideias e movimentos extremistas. 

Cheguei há dias de Paris, onde estive por ocasião do Salão Mundial de Turismo e uma das visitas que fiz na Capital francesa foi aos Champs Elysees onde de repente me vi no meio da confusão dos coletes amarelos.....Penso que a solução poderá passar por um pacto em relação às áreas vitais ,entre os partidos no sentido de não permitir a falência dos sistemas políticos. 

Por curiosidade e pelo contacto com muitos surfistas brasileiros fiquei surpreendido por alguns serem apoiantes de Bolsonaro porque têm expectativas de mudança ...Da mesma maneira que Obama representou uma vaga de esperança para os E.U.A.  É preocupante a divulgação de notícias falsas, fake news ,a desinformação é bastante nociva para a comunidade. Mas o povo é quem mais ordena quando vota livremente.

Desde que é o Presidente da CMN qual foi o  momento mais marcante que viveu? 

Como Presidente da Câmara e Nazareno um dos momentos mais emocionantes foi entregar a Nossa Senhora da Nazaré nas mãos do Santo Padre Francisco. A imagem foi benzida pelo Papa e pedida a candidatura a Património Imaterial da Humanidade, com prévia resposta positiva.

Outro momento emocionante foi ver a promoção de Portugal em Times Square, NY num ecrã gigante, através de uma única imagem e essa imagem era a onda da Nazaré . Eu costumo dizer a brincar que a Nazaré, em turismo, joga no campeonato de Nova Iorque. Estar ali com os pesos pesados do governo presentes, com o record mundial do Rodrigo Koxa que surfou a maior onda do Mundo na Nazaré, com 24,38 m e bateu o record do McNamara, foi um momento extremamente emotivo. Ficam aqui os meus agradecimentos à Dra Lidia Monteiro enquanto representante do Turismo de Portugal naquele evento e à Sra Secretária de Estado. 

Ainda o facto de ter transformado a Praia da Nazaré numa praia 100% acessível, adaptada não só para pessoas com mobilidade reduzida mas também para daltónicos e invisuais. 

Tem hobbies? Como passa o seu tempo livre? 

Gosto de fazer desporto. No verão gosto de correr de manhã. Joguei andebol quando era novo. O responsável pela criação do Clube de Andebol na Nazaré foi o irmão do meu pai, que me levou muito cedo para a prática da modalidade.

Sempre que posso, estar com os meus filhos. A minha filha está em Lisboa, joga no andebol do Benfica. Ele está no Sismaria Andebol Clube em Leiria.

Gosto muito de viajar, sempre viajei muito, é fundamental, para abrir novas prespectivas, aprender com as outras culturas e civilizações. Consigo enriquecer o meu contributo na vida e na Nazaré.

Qual é para si o melhor filme? E o melhor livro? 

Leio mais revistas e jornais, não tenho muito tempo para ler livros, vou lendo aos bocadinhos um romance do Dan Brown.

Os filmes que mais aprecio são sobre a Segunda Guerra Mundial… A Lista de Schindler,  Os Canhões de Navarone… 

Para terminar, qual seria a palavra que escolheria para o definir?

Vou escolher mais do que uma, os valores que pratico na politica e na minha vida: fraternidade, humanidade, solidariedade e amizade. 

A premissa que me orienta: ” não faças aos outros o que não queres que te façam a ti”. A capacidade de ajudar o outro, que também herdei dos meus pais. 

A frase orientadora: “não sou Presidente de Câmara... eu estou Presidente de Câmara” . E acima de tudo saber que nunca deixei de ser quem era.

segunda, 03 de junho de 19