Grande Entrevista à actriz Diana Nicolau


“É importante ser persistente, nunca deixar de evoluir e procurar mais formação” 

 

Onde nasceu e cresceu, como descobriu a sua vocação?
Nasci em Lisboa, no entanto quando tinha 4 anos o meu pai aceitou um emprego em Alcobaça e mudámo-nos para lá.
Foi a melhor coisa que nos poderia ter acontecido. Crescer em Alcobaça proporcionou-me liberdade e uma capacidade de socializar e criar laços que seriam impossíveis numa cidade grande ou descaracterizada. 

Nem consigo imaginar o que teria sido se tivesse continuado na cidade onde vivia, periferia e dormitório de Lisboa. Perdoem-me os habitantes do Cacém. Provavelmente não seguiria teatro, seria qualquer outra coisa, não imagino o quê. Mas o meio molda-nos muito. 

Desde pequena que soube que não queria fazer mais nada além do que já fazia todos os dias: brincar e organizar brincadeiras. Representar é isso, mas com técnica e disciplina.

 

Como encararam os seus pais o seu interesse pela representação?
Desde os meus 15 anos que sabia que queria estudar teatro. Sempre estive envolvida nos grupos de teatro, rádio e jornal da escola. Comunicar fosse de que forma fosse era o que mais gostava de fazer. Não tinha queda nenhuma para disciplinas de ciência, matemática incluída. Quando fiz os testes psicotécnicos no final do 9.° ano, na Escola Frei Estevão Martins em Alcobaça, a psicóloga mostrou-me um panfleto da Escola Profissional de Teatro de Cascais (EPTC) e aconselhou-me a pensar no assunto. Eu não pensei duas vezes. Era ali que queria ir estudar. Aos 16 anos, fiz as audições, entrei e mudei-me para Cascais. Os meus pais foram os meus maiores apoiantes e desde o início que me proporcionaram essa possibilidade, com alguns sacrifícios. Sou-lhes muito grata por isso. Foi a melhor decisão da minha vida e devo-lhes. Não é qualquer mãe ou pai que permite que uma filha saia de casa tão cedo para ir viver noutra cidade sozinha. Eles souberam confiar em mim e talvez por isso eu sempre senti a responsabilidade de não os desiludir, garantindo que se orgulhavam de mim, pelo que eu fazia e por quem eu era e me tornava.

 

Em que projectos profissionais esteve envolvida?
Quando terminei a EPTC, aos 19 mudei-me para Lisboa, fiz uns workshops de formação complementar e depois de alguns castings consegui o meu primeiro trabalho em televisão, na telenovela “Ilha dos Amores”. Felizmente que desde essa altura que não me têm faltado projectos e não tenho parado. Fiz tudo para diversificar e não depender de uma área apenas. Faço teatro, televisão, cinema, dobragens e locuções de publicidade. 

E gosto desta diversificação. Infelizmente Portugal é um mercado muito competitivo e nem sempre justo. É importante ser persistente, nunca deixar de evoluir e procurar mais formação. É fundamental não estagnar e estar constantemente a desafiar-me a fazer coisas novas. Não tenho qualquer pretensão de fazer apenas telenovelas, aliás estive afastada da televisão nos últimos 7 anos e voltei apenas agora, em 2021. Algumas pessoas vêem isso como um fracasso, porque acham que a carreira de um actor só se concretiza na televisão. Não há nada mais errado e redutor do que pensar assim. A televisão não é o auge da carreira, mas como infelizmente o teatro em Portugal não paga contas e o cinema tem poucos apoios e não é uma indústria muito desenvolvida, alguns actores acabam por ficar dependentes das televisões. Há demasiados actores no país para as oportunidades que nos surgem. Felizmente, agora estamos a produzir cada vez mais e melhor conteúdo e há até bastantes co-produções internacionais que só provam o valor desta indústria. Quando algum miúdo ou miúda me diz que quer ser actor, dou 3 conselhos: Estuda, estuda e estuda!! 

Este é o primeiro passo que nos diferencia dos demais, porque é das poucas profissões em que competimos com quem não tem formação e muitas vezes essa competição é injusta. Principalmente neste momento, em que as redes sociais andam a baralhar give aways, viajar e tirar fotografias bonitas. Esquecem-se que isso não é nada, e desaparece em poucos anos. Estamos a criar uma geração auto-centrada que vive da gratificação imediata numa câmara de eco e a quem vai ser muito difícil no futuro lidar com desafios, obstáculos e rejeições. 

 

E como começou o voluntariado ?
Os meus pais sempre estiveram envolvidos em projectos de apoio à comunidade, seja no Rotary, ou na Caritas, Refood ou até mesmo nas Paróquias em Alcobaça e na Marina Grande.

Crescer a vivenciar isso, fez com que fosse natural para mim e para a minha irmã envolvermo-nos também. Começámos no Rotaract Club de Alcobaça e depois acabei por fundar o Rotaract Club de Lisboa. Estive envolvida em projectos de apoio à comunidade e a projectos internacionais desde essa altura.

 

Quer falar-nos da sua experiência no Quénia? 
Em 2015 parti para o Quénia numa missão de voluntariado sozinha, onde estive 4 meses, a viver na maior favela da África Oriental, Kibera. Estive envolvida em dois projectos de apoio a crianças e famílias e foi uma experiência que me marcou de uma forma totalmente transformadora, positiva e negativamente. Aprendi a dar valor ao que tenho, a agradecer ter nascido neste país e nesta família e a relativizar muitos dos nossos problemas de século XXI de país desenvolvido. Mas também demorei a recuperar a fé na humanidade. O conceito de injustiça como o conhecia, lá ganhou outro peso e eu ainda sinto uma frustração e uma culpa enorme por não conseguirmos mudar aquele panorama de pobreza extrema. 

 

Há alguma história que queira partilhar sobre esse período tão marcante?
Não há forma de descrever a vida lá, a não ser passar por lá e viver aquela realidade. 

Tenho uma admiração gigante pelos voluntários e fundadores de projectos como os em que participei, porque se vive diariamente no extremo da escassez a todos os níveis: pobreza, educação, saúde, condições básicas de vida, educação sexual, prosperidade, emprego, segurança, etc. Aquela realidade era e é tão dura e tão diferente de tudo o que já tinha visto e vivido na minha vida que a única coisa familiar para mim eram a lua e as estrelas. E era uma forma de também de consolo, quando caminhava à noite na favela para ir para casa com as crianças e lhes ensinava as constelações e as fases da lua... Até que eles me disseram, um dia, que isso não lhes interessava porque só pensavam se iriam conseguir comer no dia seguinte. Todos os dias levava um murro no estômago. A maior lição que aprendi foi perceber que não podemos chegar a nenhum sítio com os nossos padrões ocidentais e tentar ensinar alguma coisa sem primeiro aprender com quem ali vive. 

 

E depois entre projectos profissionais surge a América do Sul. Como conseguiu deslocar-se? Quanto tempo durou? Por onde andou e que alterações a experiência criou em si? 
Decidi tirar um ano sabático e viajar sozinha pela América do Sul. Vendi algumas coisas e comprei um bilhete só de ida. Não sabia quanto tempo ia estar fora nem para onde ia. Marquei 4 noites num hostel em Buenos Aires na Argentina e fui de mochila às costas. Estive quase 9 meses fora e passei pela Argentina, Uruguai, Brasil, Colômbia, Cuba, Peru, Equador e Bolívia. Viajei quase sempre por terra e tentei evitar as capitais e cidades muito grandes. Em alguns sítios fiz work-exchange: troquei trabalho por comida e dormida. Fiz um pouco de tudo e foi a melhor experiência da minha vida. 

Ainda hoje olho para trás e é das coisas que mais me orgulho de ter feito. Comecei a viajar tarde porque sempre trabalhei muito, depois do Quénia a minha forma de encarar a vida mudou, decidi viver mais para mim do que para o trabalho. Felizmente tenho um emprego que amo, apesar de instável, e raramente sinto que tenho de trabalhar. Sou uma sortuda, todos os dias digo isso a mim mesma! 

 

Não tem medo? 
Claro que tenho, mas não deixo que isso me defina nem ponha barreiras no que faço. Confio nos meus instintos e sou responsável mas não deixo de viver. 

E os que ficam em “terra”, os que a amam, como conciliam a alegria de a ver voar com o medo de a perder?
Quando as pessoas dizem “Que corajosa por deixar o trabalho, o país, a família, o seguro e o estável.”, eu penso que ser corajoso é enfrentar um emprego de que não se gosta todos os dias, e conformar-se com uma vida com a qual se está infeliz, contrariando o que se quer e sonha todos os dias. A minha família já me conhece e sabe que de tempos a tempos preciso de uma aventura sozinha e respeitam isso, mesmo achando que sou doida e que não tenho medo de nada. Acima de tudo confiam em mim e respeitam as minhas decisões. 

 

Guarda algum projecto na gaveta que queira revelar?
Acabei recentemente dois projectos.
As gravações da novela "Para Sempre", que estreou recentemente na TVI, onde interpreto uma jovem testemunha de Jeová que vem causar estragos e estou a terminar as filmagens do novo filme de "Curral de Moinas", do Miguel Cadilhe, com o Pedro Alves e o João Paulo Rodrigues, onde interpreto uma vigarista em dupla com o Rui Unas. Também estou a fazer dobragens de várias séries da Disney, no momento. Falando de projectos pessoais, estou a terminar um dos meus grandes sonhos do qual tenho muito orgulho: a construção de uma caravana toda desenhada e pensada ao pormenor por mim.

 

Como mensagem para os jovens que ainda se encontram num limbo a tentar descobrir o que querem e o que os outros acreditam ser melhor para eles, gostaria de lhes deixar algum conselho?
As palavras do Baz Luhrmann na música “Everybody’ free” são melhores que as minhas: 

“Don’t feel guilty if you don’t know what you want to do with your life. The most interesting people I know didn’t know at 22 what they wanted to do with their lives. Some of the most interesting 40-year-olds I know still don’t”

(Não se sintam culpados por não saber o que querem fazer com a vossa vida. As pessoas mais interessantes, pessoas que conheço, não sabiam aos 22 o que queriam fazer das suas vidas. E algumas das pessoas mais interessantes com 40 anos, que eu conheço, ainda não sabem.) 

 

Se tivesse de eleger 3 palavras como sendo as mais importantes da sua vida , quais seriam?
Liberdade; Amor; Justiça.

quinta, 13 de janeiro de 22