A Criança e as suas Adaptações à Sociedade Atual: Riscos e Adequações Fundamentais


A sociedade acompanha os tempos desde que conhecemos a História. A criança, outrora encarada como pouco importante, foi ganhando ao longo da evolução humana um estatuto crescente, associado ao desenvolvimento profundo da emoção e do amor, e ainda ao conhecimento de que a educação reflete consequências na idade adulta, pelo que o que aprendemos a ser em pequenos, continua nosso permanentemente. Porém, e apesar deste avanço, parecemos esquecer de que, enquanto cresce, se trata "apenas" de uma criança.

A sociedade exige que se corra muito, todos os dias. Os pais acompanham, sob pena de não cumprirem com os seus objetivos laborais e financeiros e a criança, tantas vezes sem suporte familiar lateral, é obrigada a desenvolver desde cedo competências próprias da adolescência ou da adultez, quando a sua única "responsabilidade" deveria ser aprender a crescer e a conhecer-se, devagar, brincando e socializando saudavelmente. 

Precocemente, precisa de cumprir horários em casa. Necessita de acordar cedo, na hora da preguiça e de deitar cedo, na hora do mimo. Horas essas que serão substituídas por um jardim-de-infância, onde o objetivo primordial é ensinar a viver em sociedade, na regra e nos processos de aprendizagem, que desde tenra idade se parametrizam em listas de verificação massudas e inconsequentes. Quantas cores sabe distinguir, quantos dedos sabe contar, quantas palavras sabe dizer, quantos puzzles sabe montar.

Mas o que eu nunca encontrei nestas listas, pronúncio de um olho mais atento, foram indicadores de satisfação pessoal. Não que se meçam de forma clara essas grandezas, mas talvez nos deixassem na mira de uma qualquer evolução, no que toca a avaliar as reais necessidades. As que verdadeiramente importam. Porque à noite, quando finalmente talvez haja tempo para a história e para o aconchego, já o sono vence a vontade… 

Não existem soluções cabais, é um facto, mas há pequenas estratégias que deveríamos ter em conta, na hora de ajudar as crianças a crescer. Se o mundo nos obriga a comparar e a parametrizar, nós, pais e educadores, deveremos ensinar a pensar e a descobrir. Se a sociedade nos quer fazer melhores produtores, nós, pais e educadores, deveremos também ensinar a ser melhores pessoas. Se o avanço nos empurra para a razão e a globalidade, nós, pais e educadores, deveremos segurar no nosso colo, a emoção e a individualidade. 

E como fazer isso nos dias que correm, no instante em que já se chega, demasiado depressa, à hora do cansaço? A repensar com muita seriedade o que conseguiremos melhorar para ajudarmos a que os futuros adultos da nossa sociedade, aprendam a ser felizes e próprios, e a bloquear no que nos for possível, o crescente anseio da perfeição global. A reservar o pouco tempo que nos possa sobrar para amar e não para exigir. Poderemos concretizar estas ações em pequenas mudanças no nosso quotidiano, que incentivam a emoção e o sentir. "Aprende muito, com alegria", por exemplo, pode substituir o "vê lá se estudas", tão frequente como inútil, nas bocas e nos ouvidos de toda a gente. "Olha ali aquele colega com notas tão boas", seria muito mais produtivo transformado em "se para ti é importante fazer melhor, vamos trabalhar em conjunto para o conseguires, vais ver que consegues!".

Cabe às gerações que educam criar condições para que o ser humano cresça saudável, num mundo governado pela ânsia do perfecionismo. Os padrões da cooperação, da partilha, da solidariedade, não devem nem podem ficar esquecidos, sob pena de incentivarmos uma formatação arriscada para quem é dotado não só de capacidades funcionais, mas também de necessidades humanas e relacionais, a base de qualquer pessoa saudável. 

Os bebés necessitam de colo, de família, de apego, de tempo e de mimo. As crianças necessitam de espaço, de regras qb, de muito tempo de brincadeira, de outras crianças e outros crescidos, de muito amor e de muita expressão emocional. Os adolescentes necessitam de mais espaço ainda, de confiança, de responsabilidade, de olhos atentos mas soltos, que só quem os ama lhes consegue dar. 

Se em cada etapa e em cada criança, conseguirmos estar atentos ao essencial, poderemos acreditar que o resto nasce com o tempo e o crescimento. Se pelo contrário alicerçarmos os modelos educacionais na rigidez da educação mensurável, iremos reduzir as nossas crianças à globalidade. E nestes casos, o que realmente importa, não nascerá com o tempo. Irá antes diminuir aos mínimos, ainda antes da maioridade. Uma tremenda inversão; uma criança não progride com o rigor da norma, mas com o amor da admiração e da individualidade

 

Por: 

Carla Ferreira

Diretora de Recursos Humanos do Grupo H Saúde

sábado, 26 de outubro de 19